Esse é o nome de um editorial recentemente escrito por Lars Sondergaard, Darren Mylotte e Davide Capodanno e publicado na revista EuroIntervention.

Nesse artigo os autores comentam que, embora o risco de AVC durante procedimento de TAVI tenha reduzido ao longo dos anos, esta ainda é uma complicação temida e devastadora. Manipulação do sistema de entrega da prótese no arco aórtico e na raiz da aorta pode levar a embolização de debris para o cérebro. Assim, mesmo na ausência de sintomas clínicos, a maioria dos pacientes têm novos defeitos de perfusão cerebral quando se analisa exames de RNM por difusão.

Dispositivos de proteção embólica cerebral têm sido desenvolvidos para reduzir o risco de AVC durante o procedimento de TAVI. Esses sistemas podem ser divididos em dois grupos: dispositivos de deflecção, nos quais o objetivo é evitar que os debris alcancem o cérebro; e dispositivos de filtro, que objetivam capturar os debris.

O dispositivo mais comumente utilizado na prática clínica é o dispositivo SENTINEL (Boston Scientific), o qual é introduzido por um introdutor radial de 6 Fr e consiste de 2 filtros: 1 liberado na parte proximal do tronco braquiocefálico e 1 na artéria carótida comum esquerda. Estes filtros protegem 80-90% do fluxo sanguíneo para o cérebro, deixando somente o território suprido pela artéria vertebral esquerda desprotegido.

Estudos pequenos anteriores demonstraram que o dispositivo SENTINEL é seguro e efetivo em capturar debris embólicos em quase todos os pacientes, mas o desfecho primário de redução no volume de novas lesões cerebrais não foi estatisticamente atingido. Isto fez com a maioria dos centros considerasse o uso do dispositivo apenas para pacientes de alto risco, como por exemplo, valva aórtica extensamente calcificada, valva aórtica bicúspide, procedimentos de valve-in-valve, pacientes com AVC prévio.

Os resultados do ensaio clinico randomizado PROTECTED TAVR foram recentemente publicados. Este pragmático trial randomizou 3.000 pacientes para TAVI utilizando SENTINEL (n=1.501) ou não (n=1.499). O desfecho primário foi AVC na alta hospitalar ou até 72 horas após o procedimento, com mandatória avaliação neurológica antes e após o procedimento de TAVI. Apesar de uma relativa redução de 19,2% na incidência do desfecho primário, não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos, com 34 (2,3%) e 42 (2,8%) eventos no grupo protegido e não protegido, respectivamente.

Houve uma diferença estatisticamente significativa na análise do desfecho AVC incapacitante, com uma redução do risco relativo de 60%, com 8 (0,5%) vs. 20 (1,3%) eventos no grupo protegido vs. não protegido, respectivamente (p=0,0225). A segurança do SENTINEL foi confirmada, com apenas 1 paciente (0,1%) experimentando complicação vascular relacionada ao dispositivo.

Como estes resultados devem ser interpretados?

Primeiramente a taxa de AVC no grupo controle foi menor que a antecipada. O trial foi desenhado com uma taxa antecipada de AVC de 4% no grupo não protegido. É incerto porque a taxa de AVC foi menor que a estimada no grupo não protegido, em uma população com média de idade de 80 anos e STS score de 3,4% e com quase 1/3 dos pacientes considerados de risco cirúrgico alto ou extremo pelo Heart Team. Uma possível explicação poderia ser um viés de seleção, já que os centros que utilizam SENTINEL em pacientes de alto risco de AVC poderiam desejar não randomizar estes pacientes e, portanto, apenas incluiríam na randomização pacientes de baixo risco. Entretanto, procedimento em valva aórtica bicúspide e valve-in-valve ocorrem em 8% e 3% dos pacientes do estudo, respectivamente. É incerto se as taxas de AVC e eficácia do dispositivo poderiam ser maiores em população de alto risco.

Em segundo lugar, ainda que o desfecho proteção de AVC seja o objetivo lógico e fundamental dos dispositivos de proteção cerebral, as consequências a longo prazo de lesões cerebrais silenciosas podem ser importantes. É provável que estas lesões contribuam para declínio cognitivo e demência precoce, desfechos importantes que se tornam ainda mais relevantes quando TAVI tem sua indicação expandida para pacientes mais jovens e com maior expectativa de vida. Infelizmente, o PROTECTED TAVR não avaliou lesões silenciosas através de RNM por difusão e não irá avaliar desfechos cognitivos a longo prazo.

Em terceiro lugar, análise de subgrupo não identificou qualquer população específica na qual poderia haver beneficio da utilização de dispositivos de proteção cerebral ou qualquer fator do procedimento potencialmente associado a maior risco de AVC.  Isto provavelmente deveu-se ao número reduzido de desfechos observados no estudo.

Por último, poderia ser argumentado que a redução significativa no desfecho AVC incapacitante é mais significativa para os pacientes e para os sistemas de saúde do que AVC não incapacitante. Uma análise de custo-benefício seria muito interessante neste contexto, uma vez que o NNT (numero necessário tratar para prevenir um AVC incapacitante) no estudo foi 125.

Como estes resultados vão impactar a pratica clínica?

Apesar da clara evidência de segurança, é difícil justificar o custo do dispositivo na ausência de dados claros de eficácia.

Dados adicionais sobre o benefício do uso do dispositivo SENTINEL serão fornecidos pelo estudo PROTECT-TAVI (Prospective Randomized Outcome Study in TAVI Patients Undergoing Periprocedural Embolic Cerebral Protection With the Sentinel™ Device) trial (ClinicalTrials.gov: NCT02895737) da British Heart Foundation (BHF). Este estudo irá randomizar 7.730 pacientes na razão de 1:1 para TAVI+SENTINEL ou TAVI sozinha para o desfecho primário AVC 72 horas pós-TAVI.

Referência: Sondergaard L, Mylotte D, Capodanno D. What is the future role of cerebral embolic protection in transcatheter aortic valve implantation? EuroIntervention. 2022 Oct 7;18(8):e617-e619. doi: 10.4244/EIJ-E-22-00037. PMID: 36205735.